Estava eu acompanhando o noticiário local nos últimos
acontecimentos sobre os problemas enfrentados pela sociedade acreana, não
diferente ao resto do nosso Brasil, em relação ao atendimento por parte da
saúde, caso crônico que até os dias atuais não se resolveu.
Voltando no tempo antes do século XVIII, ou seja, antes do
positivismo, o hospital era essencialmente uma instituição de assistência
dirigida aos pobres, já que os ricos levavam os recursos médicos para suas
casas. Apesar de ser uma instituição de assistência, o hospital servia também
como recurso de exclusão social, pois, o pobre, como pobre, tinha necessidade
de assistência e, se fosse também doente, poderia ter alguma doença contagiosa,
logo, poderia ser perigoso. Além disso, o pobre poderia estar louco, ou seja,
oferecer mais perigo ainda. Por conta disso o hospital existia tanto para
acolher esses pobres, quanto para proteger a sociedade do perigo que ele
representa.
De certa forma, não se pretendia a cura para o usuário do
hospital até o século XVIII, mas sim uma assistência material e espiritual, em
alguns casos pretendia-se dar os últimos cuidados ou o último sacramento.
Com
a evolução dos tempos e a explosão do conhecimento e da técnica, com o
aprimoramento crescente dos meios de diagnóstico e tratamento, houve uma inversão
no papel dos hospitais, quase ou tão incômoda quanto a situação anterior, ou
seja, ao se abordar técnica e cientificamente a doença, confortar e consolar o
doente passaram a ser coisas do passado. Pelo que se sabe da realidade dos
pacientes, tem sido muito freqüente ouvir nos corredores dos hospitais em alto
e bom som, que não se teme tanto a morte, em si mesma, quanto a dor e os
sofrimentos relacionados ao processo de morrer.
Em
sua maioria as pessoas procuram os hospitais para a resolução de suas doenças e
alivio do sofrimento pó elas causadas, não necessariamente nessa ordem. Mas
essa problemática da dor e do sofrimento não é uma simples questão técnica,
pois a intencionalidade solidária, fraterna e confortadora depende mais de uma
atitude do caráter do que do conhecimento. Muito embora a ciência contribua,
sobremaneira, para soluções eficientes aos problemas de saúde, o sofrimento
humano diz muito mais respeito à ética que à técnica.
Trazendo
essa questão aos exemplos atuais. Se no século XVIII as pessoas ofereciam
atenção e cuidados humanos aos pacientes porque a ciência não podia oferecer
mais nada, hoje a ciência tem muito a oferecer, mas as pessoas não oferecem
mais nada além da técnica. A maioria dos profissionais desses ambientes
privilegia a técnica em franco desprezo para com a questão humana.
Levando
para o lado humano observa-se que alguns profissionais de saúde consideram como
sofrimento exclusivamente o padecimento físico, deixando de considerar o
sofrimento global da pessoa. Esse cientificismo costuma adotar a curiosa
posição de "não permitir" o sofrimento subjetivo ao paciente, já que
os conhecimentos objetivos sobre determinada doença definem tecnicamente o
tanto de sofrimento que o paciente "deve e pode se permitir".
É
de se convir que os avanços no conhecimento técnico científico melhorou muito a
qualidade de vida e a expectativa de vida do ser humano facilitando a detecção
de doenças, tanto no diagnóstico como no
tratamento, tanto na prevenção como na cura das doenças, tudo isso
refletindo diretamente no conforto pessoal, na qualidade de vida e na
longevidade das pessoas. Entretanto, o avanço tecnológico trouxe consigo também
um aspecto frio e mecânico, maquinal, reducionista e algo desumano na relação
entre as pessoas. A crítica ao positivismo é que ele ensinou a todos o preço
das coisas, mas não ensinou a ninguém o valor das coisas. Talvez tenha sido um
mal necessário.
Atualmente
as conseqüências do desenvolvimento da tecnologia no relacionamento entre as
pessoas estão sendo detectadas, estudadas e enfrentadas, buscando-se um
equilíbrio capaz de dosar o uso dos equipamentos sofisticados e de última
geração e o relacionamento humano entre as pessoas, buscando um equilíbrio
entre o mecanicismo frio da técnica, entre os cálculos complicados da economia
e entre o utilitarismo das coisas, com a compreensão das necessidades afetivas
das pessoas, enfim procurando equilibrar a idéia dos preços com a noção de
valores.
Afinal,
o que é ser um profissional humanizado?
Em
razão do desenvolvimento tecnológico na medicina, em particular, alguns
aspectos mais sublimes do paciente, tais como suas emoções, suas crenças e
valores, ficaram em segundo ou terceiro planos. Apenas sua doença, objeto do
saber cientificamente reconhecido, passou a monopolizar a atenção do ato
médico, portanto, com esse enfoque eminentemente técnico a medicina se
desumanizou.
Humanizar
o atendimento não é apenas chamar o paciente pelo nome, nem ter um sorriso nos
lábios constantemente, mas, além disso, também compreender seus medos,
angústias, incertezas dando-lhe apoio e atenção permanente.
Humanizar
também é, além do atendimento fraterno e humano, procurar aperfeiçoar os
conhecimentos continuadamente é valorizar, no sentido antropológico e
emocional, todos os elementos implicados no evento assistencial. Na realidade,
a Humanização do atendimento, seja em saúde ou não, deve valorizar o respeito
afetivo ao outro, deve prestigiar a melhoria na vida de relação entre pessoas
em geral.
É
claro que o tema aqui abordado é Humanização do Atendimento em Saúde,
entretanto, tomando-se por base esses quesitos, quem não gostaria de vê-los
humanizados em todas as dimensões da vida em sociedade e não apenas no
atendimento em saúde. Não encontramos razões plausíveis para que o apelo de
humanização seja exclusivo para área de saúde, já que essa área é tão carente
em humanização quanto as demais.
As
dificuldades de humanização começam pelo lado do paciente. É fundamental
considerar, para a humanização do atendimento, se o paciente está inserido em
um contexto pessoal, familiar e social satisfatório.
Em
segundo, a assistência à saúde deve priorizar as necessidades pessoais e
sociais do paciente. Há um bom número de médicos que diagnosticam muito bem e
prescrevem tratamentos primorosos, entretanto, não têm a mínima noção (e pior,
a mínima preocupação) em saber se o paciente pode adquirir os medicamentos.
Como costumam dizer, esse problema não é deles.
Enquanto isso,
em um hospital...:
- Bom dia, é
da recepção?
Eu gostaria de
falar com alguém que me desse informações sobre os pacientes. Queria saber se
certa pessoa está melhor ou piorou...
- Qual e o
nome do paciente? - Chama-se Maria Isabel e está no quarto 302.
- Um
momentinho, vou transferir a ligação para o setor de enfermagem...
- Bom dia, sou
a enfermeira Lourdes. O que deseja?
- Gostaria de
saber as condições clínicas da paciente Maria Isabel do quarto 302, por favor!
- Um minuto,
vou localizar o médico de plantão.
- Aqui é o Dr.
Carlos plantonista. Em que posso ajudar?
- Olá, doutor.
Precisaria que alguém me informasse sobre a saúde de Maria Isabel que está
internada há três semanas no quarto 302.
- Ok, minha
senhora, vou consultar o prontuário da paciente... Um instante só!
Hummm, aqui
está: ela se alimentou bem hoje, a pressão arterial e pulso estão estáveis,
responde bem à medicação prescrita e vai ser retirada do monitor cardíaco até
amanhã. Continuando bem, o médico responsável assinará alta em três dias.
- Ahhhh, Graças
a Deus! São notícias maravilhosas! Que alegria!
- Pelo seu
entusiasmo, deve ser alguém muito próximo, certamente da família?
- Não, sou a
própria Maria Isabel, telefonando aqui do 302!
É que todo mundo
entra e sai do quarto e ninguém me diz coisa nenhuma!...
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