quarta-feira, 23 de março de 2011

O maior risco do medo é o medo


Apesar da aparente inconsistência, o título deste post não está errado - ao menos no que se refere à sua grafia.

Após a recente tragédia no Japão, o perigo muda de figura e toma corpo numa ameaça global: um desastre nuclear. Em pavorosas cenas transmitidas online por todos os meios disponíveis, acompanhamos em tempo real o derretimento dos reatores das usinas japonesas, um após o outro.
Alimentados pela parte da mídia que tira seu sustento do pânico e da desinformação, a população vê crescer o temor de um desastre de proporções bíblicas e busca proteção ante o iminente avanço de um Quinto Cavaleiro Apocalíptico.
TVs e jornais pintam em cores vivas e fosforecentes um monstro radioativo que a todos destruirá, espalhando sua praga cancerígena por todo o planeta.
Loch-ness1Mais do que a contaminação radioativa, o medo de tal catástrofe é capaz de gerar mais danos do que a própria ameaça em si. No rastro da ignorância coletiva, a disseminação do pânico cresce e amealha apavorados seguidores mundo afora.
A contaminação radioativa tem posição de destaque no ranking de medo que povoa o imaginário popular, alimentado pela ficção que transforma em monstros aqueles expostos a algum tipo de material nuclear.
Tratados como párias leprosos, muitos experimentam preconceitos pelo simples fatos de serem oriundos de locais atingidos por este tipo de tragédia, seja Chernobyl ou mesmo Goiânia.
Moradores da costa oeste americana já esgotaram os estoques de pílulas de iodo para se prevenir da radiação que, imaginam, pode pegá-los na curva. Os laboratórios contam os lucros, tal como fizeram ao vender vacinas para uma mortífera epidemia de gripe que nunca chegou.
Do mesmo modo, milhares de pais deixaram de vacinar seus filhos aos primeiros boatos de que as vacinas poderiam causar autismo, dando margem ao retorno de uma doença erradicada há decadas. É o típico caso de trocar uma especulação por um perigo real e imediato.
O estresse e a ansiedade causados pelo pânico generalizado, mesmo em áreas afastadas, têm efeitos tão ou mais nocivos do que a própria radiação, segundo Fred Mettler, da Universidade do Novo México.
Estudos com 80.000 sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki relatam que cerca de 9.000 morreram de algum tipo de câncer, apesar de apenas 500 deles terem sido efetivamente causados pela exposição à radiação das bombas lá detonadas - mesmo aqueles artefatos tendo sido destinados com fins de destruição.
Segundo os cientistas, a radiação emitida pelas bombas atômicas aumentam em 40% as chances de uma pessoa desenvolver câncer de pulmão, por exemplo, enquanto que fumar um maço de cigarro por dia eleva o mesmo risco em 400%.
Um reator nuclear não causa uma explosão com aquele cogumelo que cobriu Hiroshima e Nagasaki. Fora os trabalhadores da própria usina, os demais moradores receberiam uma carga semelhante a um raios-X convencional, segundo Gregg Easterbrook.
O mesmo autor lembra que desde o último grande acidente numa usina nuclear (Chernobyl, 1986) passaram-se 25 anos sem que nenhum outro incidente grave fosse registrado. Menos de cem mortes foram registradas em desastres deste tipo, enquanto que usinas termelétricas ou perfurações de poços de petróleo matam aos milhares.
 Embora os especialistas da área se esforcem para conter a histeria coletiva causada pela liberação de material radioativo das usinas japonesas, parte da população já se apressa numa inócua prevenção, esperando sempre pelo pior. Mas neste caso específico, o pior é exatamente o medo que você escolhe sentir.

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