Pense rápido... O que é mais importante em uma estratégia de marketing para uma empresa?
Muito provavelmente você tenha dito os lucros, ou fazer clientes
fiéis, talvez tenha pensado nos tradicionais 4Ps (Praça, Preço, Promoção
e Produto), ou até mesmo em ser reconhecido pelos consumidores. Caso
ainda não tenha reparado, todas essas opções citadas acima são
fundamentais e visadas em qualquer campanha há décadas. O verdadeiro
sucesso dessas ações está, justamente, em aliar o máximo delas para
satisfazer as necessidades dos consumidores.
Só que a capacidade que os profissionais de marketing têm de inventar
palavras novas para descrever antigos conceitos é crescente. A prova
está na seção de livros de negócios encontrada em qualquer grande
livraria. Marketing one to one, de relacionamento, viral, boca-a-boca,
direto, de permissão, pessoal, Cauda Longa, 1.0, 2.0, 3.0, marketing de
guerrilha e, sem dúvida, essa lista não para por aqui. Essas variações
costumam aparecer em livros internacionais, escritos por uma infinidade
de novos gurus, mas que, devidamente estudados, são muitas vezes
repetições sobre o mesmo tema.
Para a professora de Marketing Nelci Moreira, da Universidade do Sul
de Santa Catarina (UNISUL), um exemplo desta constatação está nas
escolas de marketing norte- americanas. "Um professor da Harvard
Business School, obrigado a publicações acadêmicas para preencher sua
cota, solicita como tarefa a seus alunos que visitem uma determinada
empresa para elaborar um case. Posteriormente, publica um artigo sobre o
assunto. Por aqui, professores passam a escrever novos artigos com base
no publicado por Harvard, gerando aulas, citações dos cases e logo
alguém na mídia se utiliza desses jargões. Daí, para fazer parte de
novos livros fica faltando pouco. Rapidamente estas ideias se misturam e
são geradas novas, prejudicando, inclusive a nossa publicação
científica, que fica repleta de pseudo-pesquisas", assegura Nelci.
|
|
Montagem sobre foto de James Steidl/iStockPhoto |
|
|
|
|
 |
|
|
|
|
Não faltam teorias no marketing querendo reinventar a roda |
|
|
Aula na mercearia
O marketing de relacionamento é um desses exemplos que vem sendo
apontado como a atual tendência do mercado. Mas essa está longe de ser
uma prática realmente inovadora, muito pelo contrário, ela é tão antiga
quanto o próprio comércio. Um exemplo disso é a mercearia do Seu
Francisco, na cidade de Abaeté, no interior de Minas Gerais, que já está
há três gerações com a família. Francisco nunca teve problema com
freguesia, sabia o nome de todos os clientes e sempre que conseguia,
batia um "dedinho de prosa" ou tomava um cafezinho com os
frequentadores. Para os moradores próximos, a mercearia tornou-se
essencial e, apesar de não ter a grande variedade de produtos e
promoções dos supermercados, as compras do mês eram sempre feitas ali.
"A busca em atender a necessidade do consumidor sempre foi algo
imperativo ao marketing. Não há nada de novo nisso. Quem atendesse
melhor a necessidade dos consumidores teria mais clientes fiéis",
explica o professor de Marketing da Fundação Getúlio Vargas (FGV),
Nicolau André.
De acordo com ele, "a grande diferença, no entanto, é que cada vez
mais empresas estão entendendo que o consumidor não compra um produto
apenas pela razão, mas pelo bom atendimento, atenção e, principalmente,
por alcançar seu lado emocional". Dessa forma, grandes organizações
estão aprendendo que atender como a mercearia do Seu Franciso pode fazer
toda diferença.
Reclamações e virais sempre existiram
Eduardo Carvalho tinha 17 anos quando comprou sua primeira câmera
fotográfica. A aquisição, porém, não foi uma de suas melhores
experiências. Menos de um mês depois da compra, o aparelho parou de
funcionar. Consequência disso foi ele comentar com seus amigos a
contra-indicação daquela marca. Esses contatos se espalharam para outras
pessoas, o que fez possíveis compradores desistirem do produto. O
detalhe desse fato tão corriqueiro é que aconteceu no final da década de
70.
Muitas teorias de marketing recentes apontam que os consumidores de
hoje são mais exigentes e, agora, fazem questão de falar isso em sites
de relacionamento. Mas a questão é que as pessoas sempre reclamaram ou
recomendaram produtos e serviços através dos tempos. "
"O boca-boca é a mais velha mídia do mundo. Apenas as redes sociais,
ligadas na internet com conectividade, amplificaram e facilitaram o
fenômeno desse relacionamento interpessoal", indica Renato Marchetti,
professor do programa de doutorado em Administração da PUC-PR. Para ele,
as novas plataformas originadas na convergência tecnológica permitiram
ampliar a dimensão de velhos costumes.
A inovadora Cauda Longa do século 19
Imagine a possibilidade de comercializar milhares de produtos sem os
clientes precisarem sair de casa. Ali teriam desde as mercadorias mais
procuradas e desejadas, até aquelas que dificilmente estariam numa loja
tradicional pela pouca demanda. A grande variedade de produtos e a não
necessidade de vendedores em uma loja física se tornariam os
impulsionadores desse comércio.
Não, não estamos falando do e-commerce e nem tão pouco da badalada
Teoria da Cauda Longa que indicou essa linha de negócios com a internet.
Trata-se de um catálogo que fez muito sucesso ainda no final do século
19. "No catálogo da Sears (Wish Book) havia cerca 200 mil itens com
descrições e cerca de seis mil ilustrações. Era um tipo de compra postal
que barateava o produto em mais de 50%, levando em consideração os
custos de expedição", declara Nelci Moreira, da UNISUL.
Para a professora, a essência do modelo de comércio da Sears com a
Amazon de hoje, por exemplo, é a mesma. "A grande mudança foi as novas
plataformas, que substituíram o catálogo, primeiro pelo computador com a
internet e, agora, com celular e tablets."
Nem Kotler escapa
Uma outra teoria que está sendo bastante comentada são os argumentos
expostos no Marketing 3.0 de Philip Kotler, considerado uma das maiores
autoridades mundiais do marketing. Ela vem influenciando a forma de as
empresas se comportarem diante do consumidor. Mas, até o próprio 3.0 não
se trata realmente de um novo formato do marketing, apontam estudiosos
da área.
Alice Barreto, mestranda em Administração pela UFPB, acredita que
Philip Kotler traz novos rótulos para antigas teorias. "Ele tem um papel
relevante para estudantes em nível de graduação e gestores pelo acesso a
um livro mais didático, com denominações mais entendíveis. No entanto,
não se pode caracterizar de fato como evolução da área, em um contexto
amplo de desenvolvimento de novos conceitos e teorias", salienta Alice.
"Inclusive, o próprio Kotler já trabalhou essas definições de marketing
social e marketing para sociedade em um livro da década de 70",
complementa.
" A professora Nelci Moreira vai mais longe. Para ela, a questão é
que Philip Kotler é um excelente produtor de manuais e transformar isso
em novos jargões para o marketing foi uma forma de ganhar notoriedade.
"Vamos esperar pelo Marketing 4.0 que será exigido pela aplicação da
nanotecnologia e pelo marketing 5.0, uma possível exigência de mudanças
radicais ocasionadas pela troca de ciências como suporte de velhos
produtos", cogita.
Velhas ideias e novas inspirações
Professores da área são quase unânimes: tantas terminologias para
rebatizar velhas ideias com cases mais atualizados são importantes para
que novos interessados no assunto reinventem e adaptem ações de
marketing. "Muitos livros recentes trazem uma leitura atualizada do que
está acontecendo. Isso facilitar entender as ações atuais e ajuda a
criar novos programas e abordagens", indica o professor Nicolau André,
da FGV.
Para o professor Renato Marchetti, "o livro é um meio para difusão de
conhecimento e as editoras sobrevivem de sua venda. Portanto, não há
nenhum pecado nisto. Essas propostas representam fontes de inspiração. O
importante é não se perder no meio de tantas ideias e novas
perspectivas. O foco principal do marketing é o cliente, independente de
como o chamamos".
Nesse sentido, nota-se que, apesar de tanto gurus e escritores do
marketing atual não terem descoberto a pólvora, conseguiram deixá-la
numa embalagem bem mais bonita. Isso é ruim? Claro que não!
Empreendedores, estudantes e professores agradecem.
Então, o que há de novo?
O cenário corporativo precisa estar preparado. Por isso, as ações das
empresas estão constantemente se adaptando para atender a nova era
digital, as múltiplas plataformas e os recentes valores agregados das
pessoas.
A sustentabilidade empurra as questões climáticas. A globalização dos
mercados e a tecnologia acentuam a necessidade de uma revisão do
marketing tradicional. Fala-se hoje em consumo consciente e discute-se
com maior profundidade as questões do descarte de produtos, energia
limpa e a presença de uma legislação cada vez mais rigorosa e atuante
sobre os desvios da conduta ambiental.
De acordo com o professor Renato Marchetti, todas essas variáveis
compõem o novo ambiente de marketing. "As empresas deverão se adaptar a
este novo cenário como se adaptaram a outras rupturas do passado, como
os processos de produção e distribuição em massa no inicio do século 20,
a revolução nos meios de transporte e da comunicação."
Nesse sentido, apesar de poucas mudanças drásticas na essência do
marketing, tudo se tornou mais intenso, veloz e responsável. O resultado
disso? Simples. Olhar para o passado nunca se mostrou tão importante e
relevante para a construção das ações do presente e futuro do marketing.
Esta matéria foi publicada originalmente na revista Administradores nº 1.