segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Além de desvios no Dnit, má gestão também prejudica rodovias do país

Falta de pessoal, mau planejamento e influência política atrasam e encarecem obras
Renan Ramalho, do R7, em Brasília

Não são apenas os casos de corrupção, como superfaturamento de obras, que encarecem e atrasam as obras públicas em rodovias federais no país, sob responsabilidade do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura em Transportes).

Além do desvio ético, que provocou uma “faxina” da presidente Dilma Rousseff no órgão neste mês, a má gestão também é apontada por órgãos de controle e especialistas como fator determinante para a má qualidade do serviço de construção e manutenção das estradas.

A reportagem do R7 teve acesso a quatro acórdãos [decisões] do TCU (Tribunal de Contas da União) que descrevem como as falhas na organização do Dnit afetam as obras e também conversou com especialistas e gestores para analisar os problemas.

Em síntese, o órgão sofre com falta de pessoal, um planejamento e pesquisa fracos, fiscalização ineficiente e alta influência política na tomada de decisões.

Pessoal

Hoje, o Dnit conta 2.820 servidores efetivos para tomar conta de 1.156 obras espalhadas em todo o país. Quando foi criado, em 2002, o órgão tinha em caixa R$ 2,5 bilhões, mas com o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o orçamento anual chega hoje a R$ 13 bilhões.

A maior parte, porém, serve para obras e não para reestruturar o órgão, que ficou obsoleto. Funcionários dos Transportes ouvidos pela reportagem descreveram como a falta de pessoal pode acabar encarecendo as obras. Em cada Estado, o Dnit possui engenheiros que, em pouca quantidade, acumulam duas funções: aprovar os projetos e fiscalizar o andamento das obras.
Mas, como ficam sobrecarregados, em geral eles acabam acatando sem checar as alterações que as consultorias (que fazem os projetos) ou as empreiteiras (que executam as obras) propõem.

Segundo um ex-empreiteiro que trabalhou durante 12 anos junto ao Dnit, a falta de profissionais no mercado em geral afeta também a qualidade do projeto.

- Hoje, as empresas não dão conta de atender a tantos projetos e obras contratadas. Falta engenheiro fora e dentro do Dnit para dar qualidade aos projetos.
Planejamento
Em 2009, uma análise do TCU sobre o funcionamento do Dnit mostrou não haver integração entre a DPP (Diretoria de Planejamento e Pesquisa), que faz estudos sobre a necessidade e elabora projetos para construção de rodovias, e a DIR (Diretoria de Infraestrutura Rodoviária), a quem cabe contratar a empreiteira, por licitação, para executar uma obra.

O tribunal verificou que boa parte dos projetos da DPP não é aproveitada pela DIR. Motivo: as obras indicadas politicamente, principalmente a partir das superintendências estaduais, com projetos antigos ou feitos às pressas, passam na frente, segundo o relatório.
Esse direcionamento é facilitado pela falta de um sistema padronizado de gerenciamento dos projetos. Entre 2006 e 2008, 80% dos projetos não tiveram suas obras contratadas. O custo foi de R$ 237 milhões.
Outra falha grave é no próprio planejamento dos gastos. Com base em amostras, o TCU verificou que, no momento de preparar seu orçamento anual, com a previsão de suas despesas futuras, o Dnit não leva em conta a manutenção das estradas depois de prontas, mas apenas o quanto vai pagar por aquelas que ainda serão construídas.
Especialista em Planejamento de Transportes, a pesquisadora Yaeko Yamashita, pós-doutora pelo Nagoya Institute of Technology (Japão), acredita que a pouca importância dada aos projetos reflete a falta de visão sobre os objetivos dos investimentos na área dentro do país.
- Hoje as pessoas ficam muito preocupadas em fazer. Mas qual era o objetivo da obra: aumentar capacidade, reduzir acidente, aumentar velocidade, transportar mais? As coisas nascem sem uma lógica.
Ela considera que hoje as obras rodoviárias no Brasil atendem um modelo econômico “de colônia”, que investe mais em corredores que levam aos portos, voltados para exportação, do que na integração entre as regiões do país.

Convênios
Outro problema apontado pelo TCU está nos convênios, quando o Dnit repassa recursos para prefeituras tocarem as obras. No ano passado, o TCU verificou que em pelo 45 convênios, não havia um Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica para embasar a obra.

Obrigatório, esse estudo mede a real necessidade de uma rodovia, o jeito mais fácil e barato de construí-la, de modo a aproveitar a estrutura já existente, inclusive integrando-a com outros tipos de vias de transporte, como ferrovias e hidrovias.

A falta de controle nos convênios faz com que obras se arrastem infinitamente. No Amapá, a BR 156, por exemplo, está em obras de melhorias há mais de 30 anos. Na Paraíba, obra na BR 230, trecho João Pessoa–Campina Grande, começou em 1997, com previsão de término em dois anos, mas até hoje não foi concluída. Para o TCU, isso significa mais prejuízo.

Política
Para o coordenador da pós-graduação em Transportes da UnB (Universidade de Brasília), professor Pastor Taco, os problemas administrativos favorecem a influência política nas decisões do órgão. Como não há planejamento que funcione, a determinação sobre onde, quanto e como investir acaba sendo influenciada pela proximidade com os dirigentes.
- Há uma priorização de obras “de destaque”, que pudesse trazer participação na mídia, enquanto outras mais necessárias são abandonadas.
Ele não vê como evitar as indicações políticas, mas propõe que os dirigentes fiquem no cargo por um período máximo, de cinco anos por exemplo. Outra solução é que em vez de apenas um partido, como o PR, vários possam compartilhar a gestão do Dnit.
Procurado para rebater os problemas, o órgão não se manifestou. Nesta próxima semana, a presidente Dilma deve indicar novos nomes para substituir os 21 demitidos em toda a cúpula dos Transportes desde o início da crise.

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